Quando
o assunto é feminismo, a tendência é que sejam trazidas à tona algumas das
práticas propagandeadas ultimamente sob esse rótulo – desde os cartazes e
panfletos com “x” no lugar de artigos até os protestos com nudez e performances
agressivas. Entre os grupos que perpetram tais ações, estão FEMEN (o qual não
durou muito no Brasil, mas continua atuando noutras partes), Marcha das Vadias,
coletivos universitários ou partidários. Embora tais grupos tenham suas
rivalidades, difiram quanto às estratégias e táticas adotadas e ocupem posições
aparentemente opostas no espectro político (que vão desde a direita liberal até
a esquerda trotskista e anarquista), muito mais expressivas são suas
semelhanças, visto que partilham um mesmo arcabouço teórico proveniente do
feminismo igualitário.
Em
linhas gerais, o feminismo igualitário defende que os diferentes papéis
atribuídos a homens e mulheres na sociedade são meras construções sociais, as
quais não se sustentam pelas distinções biológicas entre os sexos. Daí à teoria
– ou antes, ideologia – de gênero é um pulo, e a adoção desta também parece ser
generalizada entre os grupos do feminismo “mainstream”. A ideologia de
gênero afirma que o sexo biológico não deve determinar os comportamentos de
alguém ou sua “identidade sexual”, que passa a ser uma categoria de livre
escolha e invenção, mutável e, por vezes, simplesmente indefinível para o senso
comum. A preferência pelo termo “ideologia” deve-se ao fato de que, embora
incontáveis páginas tenham sido escritas na tentativa de reforçar tal conjunto
de suposições, experimentos científicos de diversos tipos têm apontado
conclusões opostas, como bem demonstrou o comediante e sociólogo norueguês
Harald Eia em uma série de documentários chamada Hjenervask (“Lavagem
Cerebral”). Além disso, casos concretos onde a ideologia de gênero foi posta à
prova resultaram trágicos (basta pesquisar, por exemplo, a história de vida do
canadense David Reimer).
Entretanto,
muitas entre as ditas feministas responsáveis por tais elaborações parecem
pouquíssimo preocupadas com a realidade. Boa parte delas afirma mesmo que
ao invés de dois sexos biológicos existem pelo menos cinco, contando as
deformidades congênitas causadoras dos três tipos de hermafroditismo como modalidades
de sexo biológico possível. A raridade dos indivíduos portadores destes
problemas e as complicações causadas para o pleno funcionamento de seus corpos
são relativizadas. A tentativa de desconstruir a dicotomia homem-mulher até
mesmo em um campo no qual ela se expressa tão obviamente quanto a biologia,
reflete as investidas ainda mais incisivas das feministas igualitárias em
efetuar a destruição das noções de feminilidade e masculinidade no campo social
e cultural. Sendo assim, entre os objetivos mais arduamente perseguidos por
estes grupos está o completo aniquilamento de tudo o que se define por mulher,
bem como aquilo que se define por homem, até que estas duas palavras não
signifiquem mais nada. Ora, por que deveríamos chamar quem está em guerra contra
tudo o que é de fato feminino de “feminista”?!
Apesar
de muitas vezes estas feministas igualitárias serem confundidas com “as
feministas” ou até mesmo com “as mulheres”, elas não são as porta-vozes
exclusivas nem do feminismo, muito menos das lutas pelos direitos das mulheres.
O movimento sufragista, por exemplo, precede em muito às formulações que
consolidariam o feminismo igualitário e teve o apoio de muitas mulheres que
mais tarde se oporiam aos rumos que o feminismo estava tomando neste sentido.
Atualmente,
“feminismo” é um termo em disputa e tem ganhado os sentidos mais variados ao
longo das últimas décadas. Como oposição frontal ao feminismo igualitário,
temos o feminismo diferencialista. Este tipo de feminismo manifesta-se em favor
das diferenças essenciais entre homens e mulheres, postulando a valorização do
feminino, ao invés de sua destruição. A partir desta abordagem, possibilidades
completamente diversas podem ser trabalhadas para a atuação feminina, nas quais
as diferenças naturais e culturais entre homens e mulheres sejam pelo viés da
complementaridade, e não da rivalidade. Não se trata de pregar a submissão da
mulher ou de ir contra quaisquer direitos políticos e trabalhistas das
mulheres; muito pelo contrário, a ideia é buscar conquistas que reflitam e
respeitem a vivência feminina enquanto tal, não só defendendo salários justos
para as que trabalham fora, mas também a dignidade da mulher na sociedade
enquanto mãe e dona de casa, atividades sem as quais a própria continuidade de
nosso modo de vida ficaria comprometida. A questão não é mais sobre colocar um
dos dois sexos como o oprimido em absoluto, mas buscar um plano no qual homens
e mulheres vejam-se como partes igualmente importantes de um todo maior do que
eles mesmos, segundo uma visão holística, e colaborem na consolidação de uma
sociedade onde ambos possam se desenvolver plenamente, cultivando assim
feminilidade e masculinidade como riquezas.
Entende-se
que tal projeto jamais se concretizaria nos marcos do sistema liberal atual, no
qual prevalece um individualismo cada vez mais exacerbado, o consumismo é
estimulado, assim como a mercantilização de corpos, enfim, em um sistema no
qual a desumanização avança a passos largos. A nova proposta de um feminismo
diferencialista como entendido aqui, passa necessariamente pelo combate a este
sistema, para o qual somente o feminismo igualitário pode ser conveniente. Não
é à toa que as teorias igualitaristas citadas anteriormente chegaram à
preeminência em órgãos governamentais de países ocidentais e na ONU com o apoio
de Fundações como Ford e MacArhtur, entre outros grandes grupos capitalistas.
Afinal, os senhores que os controlam não tem o menor interesse em ver homens e
mulheres unidos lutando por sua dignidade.
Além
disso, um feminismo diferencialista, respeitando as diferenças entre os sexos,
logicamente respeitaria também as diferenças entre os povos, opondo-se ao
internacionalismo universalista de capitalistas e feministas igualitárias e
prezando pela autodeterminação e soberania das nações, para que estas possam
dispor livremente, de acordo com seus valores e cultura próprios, de sua
feminilidade e masculinidade.
Contra
as práticas aviltantes dos grupos “feministas” favoráveis à ideologia de
gênero, certos grupos de mulheres militantes pelo mundo já vêm adotando o ponto
de vista diferencialista aqui descrito, muito embora alguns destes coletivos rejeitem
completamente o termo “feminismo”, por considerá-lo irremediavelmente maculado,
e definam-se como “antifeministas”. Podemos citar entre estas divergentes: as
mulheres católicas do chamado “Novo Feminismo”, que priorizam a maternidade
como elemento principal da essência feminina; as mulheres islâmicas mobilizadas
em rejeição ao FEMEN para afirmar sua identidade e capacidade de lutar por seus
direitos segundo seus próprios caminhos; as indianas eco-feministas que se
opõem ao controle das empresas multinacionais sobre a agricultura tradicional e
pedem penas severas aos estupradores; as francesas do Les Antigones; as espanholas
do Circulo Atenea; as mexicanas zapatistas; as argentinas e venezuelanas do Artemisas;
nós, brasileiras do Matria; entre outras. A declaração de Katerina Tarnovska,
ucraniana campeã mundial de kickboxing e fundadora de uma arte marcial
especialmente voltada às mulheres (a Asgarda), pode evidenciar o que faz as
mulheres se voltarem a essa versão de feminismo: “Se o feminismo visa
defender a posição da mulher na sociedade, então sou feminista. Mas se o
feminismo significa que as mulheres são os seres mais fortes e que devem se voltar
contra os homens, então não, não sou feminista. Acredito na ordem natural das
coisas”. Cabe lembrar, por fim, que o feminismo diferencialista não está em um
estágio concluso e definitivo, e que a reverência dessa ideia para com as
peculiaridades abarca inúmeras possibilidades e sugestões.
Lutadora da Asgarda, uma arte marcial feminina |