Tradição Yòrùbá em bonecas Abayomi

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Por: Beatriz Nogueira



Um aspecto fidedigno existente na tradição de variados povos pelo mundo é o cuidado contínuo em preservar a transmissão dos seus costumes às gerações futuras, para manter vivas suas culturas através dos tempos. Tal transmissão se dá principalmente na relação entre adultos e crianças. Naturalmente, esse aspecto da tradição encontra-se nas comunidades afrobrasileiras, dentre as quais se destaca a influência Yòrùbá na constituição da cultura de matriz africana na terra brasilis. Yòrùbá é também uma das etnias mais influentes do continente africano.

Na era dos descobrimentos, por meio da dispersão forçada de populações da Nigéria, Benin, Togo e Costa do Marfim rumo às Américas, iniciou-se uma reconstrução identitária desses povos que aqui desembarcaram. Durante sua diáspora, se desenvolveu um significativo objeto simbólico desses povos, criado já no momento em que esses eram transportados em navios tumbeiros que seguiam rumo ao Brasil. Trata-se das pequenas bonecas denominadas Abayomi, cuja importância cultural será exposta a seguir.

A bordo dos navios tumbeiros, as mães africanas rasgavam retalhos de suas roupas e com eles criavam bonecas feitas de tranças ou nós, sempre negras, que serviam como amuleto de proteção e acalento para seus filhos ali presentes. Como objeto de distração que lhes permitia serem crianças, mesmo naquele contexto perturbador, essas bonecas podiam representar personagens da mitologia Yòrùbá, orixás e manifestações folclóricas. 


A palavra Abayomi significa “aquele que traz felicidade ou alegria”. Oferecer a boneca era como dar ao outro o que se tem de melhor, algo que carrega nossas melhores qualidades. Dar uma boneca Abayomi é um ato de nobreza, é dar a uma pessoa querida aquilo de melhor que temos a oferecer. As mães negras criavam as bonecas e presenteavam seus filhos em sinal de amor, carinho e consolo, arrancando com as unhas pedaços de suas roupas. Portanto, devemos imaginar o quão nobres eram os sentimentos dessas mães e sua preocupação em transmitir força e esperança às gerações futuras.

As bonecas abayomi são parte de vários objetos e ornamentos que permitiram à influente cultura Yòrùbá memorizar e preservar seu passado em novas terras. Por esta razão não há olhos, nariz ou boca nessas bonecas, o que faz com que elas rememorem quaisquer povos africanos de mesma matriz Yòrùbá.
A boneca Abayomi, um inocente brinquedo de criança, foi parte integrante na consolidação e preservação da identidade dos povos afrobrasileiros por meio da sagrada ligação entre mães negras e seus filhos. 

Há atualmente ações comunitárias que ensinam a confeccionar bonecas Abayomi enquanto conta-se às crianças sobre a história delas e sobre a cultura afrobrasileira em geral. Com isso, promovem-se laços de fraternidade e reflexões históricas que fortalecem o substrato identitário dos povos afrobrasileiros. A artesã e militante do movimento das mulheres Waldilena Martins, foi precursora deste tipo de ação social no Brasil em finais de 1980.

A memória, união e ação histórica de um povo são o que lhe mantém vivo ao longo das eras, com suas tradições que ligam passado e presente. Num mundo onde impera a cultura de massa que desloca e descentraliza a identidade do sujeito pós-moderno, apagam-se as múltiplas culturas existentes, homogeneizando-as. Nesse contexto, produzir oficinas de confecção de bonecas e outros objetos artesanais no interior de projetos sociais anti-globalistas vinculados às múltiplas culturas brasileiras, representa algo simples e recreativo para a interação de adultos e crianças. Mas, ao mesmo tempo, esses ofícios artesanais podem significar uma ação poderosa de conscientização e resistência contra o perverso modus operandi do mundo globalizado que aos poucos dissolve culturas e identidades singulares que merecem resistir e seguir seu próprio destino com alteridade.



 
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