Conquista do voto feminino no Brasil

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Por Léia Carvalho

Esta semana foi marcada pela lembrança de uma data comemorativa importante para as mulheres brasileiras: a conquista do voto feminino em 24 de fevereiro de 1932.

Há 84 anos atrás, através do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, o Presidente Getúlio Vargas dá direito ao voto feminino, suprimindo todas as restrições às mulheres e institui o Código Eleitoral Brasileiro, que definia o eleitor como o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código. Não havia obrigatoriedade no voto feminino, mas existia no masculino, do mesmo modo que o alistamento nas forças armadas.

Lembremo-nos também de todos os envolvidos na história antes desta conquista.

Em 30 de setembro de 1890, durante a elaboração da primeira constituição republicana, o médico e intelectual baiano César Zama defendeu o sufrágio universal, sendo ele o pioneiro a defender a causa, a fim de que as mulheres pudessem participar efetivamente da vida política no país. Apesar de sua importância na luta pelo voto feminino, ele ficou mais conhecido por sua luta pelo fim da escravidão. 


No Consultor Jurídico do jornal "O Estado de S. Paulo", encontra-se a informação de que logo após a proclamação da República, o governo provisório convocou eleições para uma Assembleia Constituinte. Na ocasião, uma mulher conseguiu o alistamento eleitoral invocando a legislação imperial, a Lei Saraiva, promulgada em 1881, que determinava direito de voto a qualquer cidadão que tivesse uma renda mínima de 2 mil réis. Caso se houvesse registrado seu nome, ela poderia ser contada dentre as primeiras brasileiras a ter direito à voto.

Lopes Trovão,  na discussão da Declaração de Deveres, defendeu com afinco a causa da oficialidade do voto feminino. Em 1 janeiro de 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto de Constituição, de autoria de Saldanha Marinho, conferindo o voto às mulheres brasileiras.

Almeida Nogueira, na sessão de 2 de janeiro de 1891, defendeu a ideia do sufrágio feminino lembrando que não havia legislação que restringisse o voto às mulheres e que o projeto da nova constituição também não restringia esse direito cívico à elas (A constituição em vigor nessa data era a Constituição do Império de 1824 e determinava que as eleições eram censitárias e indiretas, mas não impedia oficialmente as mulheres de votar - essa constituição só impedia o voto de alguns religiosos que viviam em comunidade claustral).

A pressão contrária foi tão grande, que Epitácio Pessoa, que havia subscrito a emenda, dez dias depois tirou seu apoio, e o Brasil deixou de ser o primeiro país do mundo a conceder o direito de voto à mulher (em 1893, a Nova Zelândia venceu a corrida, tendo como protagonista o movimento sufragista liderado pela religiosa Kate Sheppard que comandava a Women's Christian Temperance Union - União de Temperança das Mulheres Cristãs ou União das Mulheres de Temperança Cristã).

Em 1894, foi promulgada a Constituição Política da cidade de Santos, quando novamente houve uma tentativa de conferir direitos políticos às mulheres, derrubada por pressão dos cidadãos.

Mesmo com a defesa de César Zama, Lopes Trovão, Saldanha Marinho, Almeida Nogueira e os 31 constituintes que assinaram a emenda apoiando o direito de voto às mulheres, a Constituição da República aprovada de 1891, definia como eleitores, cidadãos de 21 anos, que se alistassem nas forças armadas (excetuando-se o alistamento de mendigos, analfabetos, praças e alguns religiosos sujeitos a voto obediência). Ou seja, tinha direito ao voto, quem tinha o dever se ir para a guerra, já que o sufrágio estava vinculado com o alistamento militar. Essa visão era um consenso naquela época em vários países: quem tinha o dever de ir à guerra, tinha o direito de escolher seus líderes; os poderes estavam vinculados com as responsabilidades, isto é, homens e mulheres tinham direitos diferentes, porque seus deveres eram diferentes na época.

Inclusive nesta época, anos da primeira guerra mundial, muitas mulheres se posicionaram contra o voto feminino, pois tinham receio de ter o direito à voto vinculado ao alistamento militar, e consequentemente serem convocadas a ir para a guerra, da mesma forma que os homens. Entre os primeiros países a aprovarem o voto feminino, muitos só permitiam o voto às mulheres que se alistavam no serviço militar.

Havia muita discussão quanto à inconstitucionalidade do veto ao voto feminino, entretanto, mesmo sem uma constituição que impedisse nem que confirmasse o direito, três mulheres se alistaram e chegaram a votar em Minas Gerais no ano de 1905, tendo seus votos posteriormente anulados. Seus nomes não foram registrados na história, infelizmente. Mas estas também poderiam ser contadas entre as primeiras mulheres a votar no Brasil.

Em 1910, a professora Leolinda Daltro, considerando que a Constituição de 1891 era omissa quanto ao voto feminino, requereu alistamento eleitoral, mas teve seu pedido negado. Reagiu reunindo-se com dezenas de colaboradoras, sendo a maior parte delas professoras também, e fundou, com estas mulheres, dentre elas a escritora Gilka Machado, uma associação civil denominada Partido Republicano Feminino. Na mesma época que Leolinda, Myrthes de Campos - primeira advogada a entrar para a OAB - também fez o mesmo requerimento e também teve seu pedido negado.

Novas tentativas na forma de emendas surgiram em 1917, 1920 e 1921, vindas de diversos autores.

Outros nomes conhecido do movimento sufragista foram Bertha Lutz e Jerônima Mesquita. Foram fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) em 1919, após Bertha Lutz ter representado o Brasil na assembleia geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos EUA, onde foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana.
Jerônima Mesquita, que fundou várias instituições e contribuiu bastante para o progresso nacional, tem seu nome lembrado por ter a data de seu aniversário - 30 de abril - se transformado no Dia Nacional da Mulher (ou Dia da Mulher Brasileira), pela Lei nº 6.971, de 9 de junho de 1980 (100 anos após seu nascimento e 8 anos após sua morte) assinada/aprovada pelo presidente militar João Figueiredo (último presidente do regime e que ficou mais tempo no poder na história nacional).

Vale lembrar também os nomes da poetisa Laura Brandão e a operária Maria Lopes que integravam o "Comitê das Mulheres Trabalhadoras", fazendo propagando em fábricas, e da sufragista gaúcha Natércia da Silveira, fundadora da Aliança Nacional de Mulheres (1931).


A conquista do direito ao voto em 1932, foi consequência do trabalho feito não somente por elas e pelas organizações de mulheres da época, mas também de todos os envolvidos desde o primeiro indivíduo a defender o voto feminino muitos anos antes desses movimentos surgirem.

Em 1927, o Presidente Washington Luís manifestou-se a favor do voto às mulheres.

Logo depois, ainda no mesmo ano, Em 25 de outubro de 1927, pela Lei nº 660, projeto do governador Juvenal Lamartine de Faria, o Rio Grande do Norte foi o primeiro Estado que, ao regular o "Serviço Eleitoral no Estado", estabeleceu que não haveria mais "distinção de sexo" para exercício do sufrágio.




Considerada pela história (por ter seu nome lembrado) como a primeira mulher a tirar o título de eleitor e votar no Brasil, a nordestina potiguar Celina Guimarães Viana, com apoio principal de seu marido, Elyseu de Oliveira Viana, requereu alistamento eleitoral, tendo seu nome incluso na lista de eleitores do Rio Grande de Norte, a primeira mulher na lista, em 25 de novembro de 1927. Várias outras mulheres requereram alistamento eleitoral após ela no Rio Grande do Norte e em outros 9 Estados brasileiros.

A professora catedrática da Escola Normal de Natal, a nordestina potiguar Júlia Alves Barbosa é que foi a primeira mulher a requerer alistamento eleitoral, antes de Celina (22 de novembro de 1927). O deferimento de Celina, por parte do juiz, saiu primeiro e mais rápido, por Celina ser uma mulher casada e respeitada, isto é, ser casada com um advogado e professor. O de Júlia só foi deferido depois (1º de dezembro de 1928), dada a sua condição de solteira. Júlia foi uma das fundadoras da Associação de Eleitoras Norte-rio-grandenses.
Segundo pesquisa do escritor João Batista Cascudo Rodrigues, o histórico do despacho foi vazado nestes termos (para inclusão de Celina na lista de eleitores):
"Tendo a requerente satisfeito as exigências da lei para ser eleitora, mando que inclua-se nas listas de eleitores. Mossoró, 25 de novembro de 1927." - Israel Ferreira Nunes

Celina votou juntamente com outras mulheres na eleição de 5 de abril de 1928, na cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, sendo ela a primeira dentre as demais, no local onde hoje funciona a Biblioteca Municipal de Mossoró. Posteriormente foi pedida a anulação de seus votos pela Comissão de Poderes do Senado Federal.

Sobre sua participação histórica como a primeira mulher a votar no Brasil, mais tarde, Celina disse (parafraseando):
"Meu marido empolgou-se na campanha de participação da mulher na política brasileira e, para ser coerente, começou com a esposa dele, levando meu nome de roldão. Jamais pude pensar que, assinando aquela inscrição eleitoral, o meu nome entraria para a história. E aí estão os livros e os jornais exaltando a minha atitude. O livro de João Batista Cascudo Rodrigues - 'A Mulher Brasileira: direitos políticos e civis' - colocou-me nas alturas. Até o cartório de Mossoró, onde me alistei, botou uma placa rememorando o acontecimento. Sou grata a tudo isso que devo exclusivamente ao meu saudoso marido". - Celina Guimarães Viana
Vale lembrar o nome da estudante de direito mineira: Mietta Santiago (Pseudônimo de Maria Ernestina Carneiro Santiago Manso Pereira), que descobriu que o veto ao voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição de 1891. Com garantia de sentença judicial (fato inédito no país o que a fez pioneira nessa situação), ela conquistou o direito de votar (e votou em si mesma para o cargo de deputada federal). Carlos Drummond de Andrade dedicou a Mietta o poema "Mulher Eleitora". 

A primeira mulher eleita no Brasil e na América Latina foi a nordestina potiguar (prefeita) Alzira Teixeira Soriano, assumindo a prefeitura do município de Lages-RN.

Persiste a ideia errônea de que as mulheres nunca participaram da política antes dos movimentos sufragistas. Na Idade Média, as mulheres participavam das funções públicas em diversos países e por vezes até mesmo votavam. Por ocasião dos Estados Gerais de 1380, as mulheres são citadas explicitamente entre as votantes em diversas partes do território francês. Com o fim da Idade Média, no final do século XVI a mulher foi afastada das funções públicas. 

Voltando e concluindo a história da conquista do voto feminino no Brasil, finalmente em 1932, a mulher teve seu direito ao voto garantido, sendo assegurado novamente na Constituição de 1934 e nas posteriores, sem mais anulações. Se hoje temos este direito é graças a vários homens e mulheres que defenderam esta causa. Nos recusamos a dar predileção a alguém ou  a um movimento específico.
Reconhecemos aqui a importância de todos os envolvidos, homens e mulheres, para esta conquista histórica.


Referências:

ALVES, Branca Moreira. Ideologia e feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis-RJ: Vozes, 1980. p. 94 e 95.

AQUINO, Felipe. Uma história que não é contada. Editora Cléofas, mar. 2008.

RIBEIRO, Antonio Sérgio. A mulher e o voto. São Paulo: ALESP, 2012. Disponível em:
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/bibliotecaDigital/277_arquivo.pdf

Primeira prefeita eleita no Brasil foi a potiguar Alzira Soriano. Tribunal Superior Eleitoral, 2013.


SCHUMAHER, Maria Aparecida; VITAL BRASIL, Érico. Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade - biográfico e ilustrado. p. 165-166.

Sufrágio Feminino. 

VAINSENCHER, Semira Adler. Celina Guimarães Viana. Fundação Joaquim Nabuco, Recife.

VAINSENCHER, Semira Adler. Júlia Alves Barbosa. Fundação Joaquim Nabuco, Recife.



 
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